POR RICARDO ÁVILA ABRAHAM
Um homem é preso por tráfico de drogas. No Estado-Penitência (Wacquant) – que historicamente já cobrou dos homens seu corpo, seus bens e sua dignidade – permanece recluso por onze anos. Vive em condições desumanas. Fica isolado, passa por todo tipo de privação e provação. O homem fica louco. Não se pode esperar o contrário. São onze anos de involução, de ruptura total de espaço e de tempo (Aury).
Apenas quem já viveu pode expressar, mas é de se concordar que não existe sofrimento maior. E não existe mesmo. Por fim, o homem entra numa fila. Fila para ser executado. No dia marcado e no horário exato, funcionários legitimamente pagos pelo Estado, sob holofotes de todo o mundo, levantam simultaneamente seus fuzis, disparam dezenas de vezes e realizam a execução. O Estado sempre foi especialista em agredir, saquear, trancar, torturar e matar. Para punir, para dar exemplo. O Estado é o mais frio, calculista e covarde assassino da História.
Qual o macabro delito que custou a pena capital ao criminoso? Comércio. Sob livre e consciente manifestação de vontade das partes, realizou-se a venda de um produto sabidamente maléfico à saúde, tal qual o cigarro, a cerveja e o sal (ou não tão maléfico quanto estes). Os que consomem o produto vendido, a droga, permanecem vivos. Eles não morrem pelo uso da droga! Eles certamente lamentam, inclusive, a morte do comerciante que simplesmente lhes vendeu o que queriam comprar. Mas eles não param de comprar.
Ninguém vai parar de comprar! Todos continuam comprando droga de outros varejistas. Eles assistem à cobertura midiática da execução do brasileiro pela TV, e o fazem consumindo uma droga igual ou similar à que levou o brasileiro ao fuzilamento. Uma droga adquirida através de outros vendedores, porque são muitos, sempre foi assim e assim sempre será.
Podem matar dois brasileiros. Podem matar 200 brasileiros. Podem matar 2 mil brasileiros. E matam mesmo, matam todos os dias. Nós nos matamos, e sabemos quem morre e quem mata, sempre soubemos. Quanto mais traficantes mortos, mais drogas, mais drogados e mais gente se matando como quer, assim como no churrasquinho, na “quentinha” do final de semana, na cerveja depois do jogo de futebol.
Quem refletir por 10 minutos e conseguir concordar com o que aconteceu, pode continuar a ser meu amigo. Só não pode mais esperar nenhum tipo de cumplicidade. Não pertencemos ao mesmo universo! Vou continuar me perguntando quantos mais vão morrer por uma besteira, um completo absurdo como esse, e quantos Rodrigos Gulartes vão ser necessários para que alguém com a caneta na mão ponha fim a essa histeria coletiva.
Que eu aguente para ver até quando essa gente que me cerca, essa gente que diz que vive e ama, vai compactuar com isso sem pensar! Que eu esteja vivo para acompanhar os comentários sobre esses dias hipócritas que vivi e lamentar por quantos morreram pela mão covarde do Estado.