Guilherme Amado
Proposta de alteração da lei penal trará modificações em questões polêmicas como o aborto e a eutanásia
A comissão de juristas que prepara o projeto de reforma do Código Penal, a ser entregue em maio à Comissão de Constituição e Justiça do Senado, decidiu propor a inclusão de dois casos de aborto em que a prática não seria mais considerada crime. Pela proposta, além dos casos de estupro e quando a gestação representa risco à saúde da mãe, também será considerada passível de interrupção a gravidez cujo feto possui uma doença física ou mental irreversível, como a anencefalia, ou quando houve emprego não consentido da técnica de reprodução assistida. “A sociedade brasileira está madura para discutir esse e outros temas”, defende o ministro do Superior Tribunal de Justiça, ministro Gilson Dipp, que preside o grupo de juristas.
Temas não faltam. O aborto está longe de ser o único tema espinhoso, afinal o desafio é atualizar um texto de 1940, recheado de anacronismos como a que fez o caso do mensalão ser tipificado penalmente como formação de quadrilha ou bando, enquanto a própria denúncia já falava em organização criminosa. Gilson Dipp afirma que este será um tipo penal a ser criado. No combate à corrupção, também será criado o tipo para enriquecimento ilícito e a atualização do crime de colarinho branco. “A lei de colarinho branco é uma lei feita por economistas durante a ditadura. Além de malfeita, é de difícil aplicação”, critica Dipp. A reforma do código também pretende criar responsabilidade penal para empresas, como existe na lei ambiental. Com isso, uma pessoa física pode ser responsabilizada quando cometer um crime em nome da pessoa jurídica.
Terrorismo
De olho na Copa de 2014 e nas Olimpíadas, o grupo deve propor a tipificação penal do terrorismo. Além de o Brasil ter assinado convenção na ONU sobre o assunto, a proposta veio à tona pela presença nos dois eventos de Estados Unidos, Reino Unido e Espanha, que sofreram na pele as consequências desse tipo de crime. O texto incluirá um parágrafo fazendo ressalva sobre a natureza reivindicatória do suposto ato terrorista. A inclusão atende a pressão do PT e de parte do governo, que temem a criminalização dos movimentos sociais. “Evidentemente que isso só se aplica quando os meios sejam compatíveis com sua finalidade”, ressalta o ministro.
O abrandamento da pena para a eutanásia, prática hoje tipificada como homicídio simples, com pena de 20 anos, será acompanhado da mudança sobre a ortotanásia, que deixará de ser crime. Os tabus prometem mexer com as bancadas religiosas, mas o grupo não tem se intimidado com essa perspectiva. “O texto tem que contemplar o Executivo paulista e o ribeirinho do Amazonas”, promete o ministro.
As mudanças em análise
Veja as principais propostas já elaboradas pelos juristas para a reforma do Código Penal.
Aborto — Não seriam mais considerados crimes os casos de anencefalia do feto e os casos de emprego não consentido da técnica de reprodução assistida.
Eutanásia — Não existe no código atual e seria criada como tipo penal, com pena de 3 a 6 anos, muito mais branda do que a tipificação que é aplicada hoje.
Ortotanásia — O desligamento de aparelhos em pacientes vegetativos deixaria de ser crime quando houver pedido do parente mais próximo e atestado de dois médicos sobre morte iminente.
Homofobia — Passaria a ser considerada crime.
Tráfico de pessoas — Ainda fora do código, seria um novo tipo penal, nos casos de tráfico para exploração sexual, trabalho escravo ou tráfico de órgãos.
Endurecimento da lei — O cumprimento da pena antes de um preso sair em condicional teria que ser de um terço e não mais de um sexto da pena.
Crimes cibernéticos — Hoje, esses delitos são tipificados como estelionato ou furto qualificado mediante fraude, mas são praticados de forma muito mais sofisticada.
Terrorismo — Visando à Copa de 2014 e às Olimpíadas, seria criado o tipo penal do terrorismo, mas com ressalvas para impedir a criminalização dos movimentos sociais.
Combate à corrupção – Seria instituído o tipo penal do enriquecimento ilícito e o conceito de organização criminosa, para grupos com sofisticação em sua formação, com hierarquia e divisão de tarefas. Hoje, esses grupos ainda são tipificados como bandos ou quadrilhas.
Três perguntas para – Gilson Dipp, ministro do STJ
Que tipo de anacronismos do Código Penal sumirão com a reforma?
Vamos colocar o texto em conformidade com a Constituição de 1988 e as convenções que o Brasil assinou e que ainda não são atendidas pela lei. Vamos excluir tipificações que não têm por que serem crimes, como infrações administrativas ou disciplinares. O texto é de 1940, então há itens que não fazem sentido, como sofisticadas organizações criminosas serem consideradas bandos ou quadrilhas.
Como os senhores estão enfrentando temas que são tabus no Brasil, como o aborto?
Não há tabu, estamos fazendo a coisa de forma técnica e olhando sempre para a aprovação no Congresso. As pressões de religiosos, de credos filosóficos e sociais, tudo isso dará uma grande discussão. Mas a sociedade brasileira está madura para discutir esses assuntos. Hoje, existe vontade política no Senado para que o assunto avance.
Em temas técnicos, como a eutanásia, a comissão ouviu especialistas?
Não, porque é tudo fruto de estudos antigos, sobre os quais já haviam se debruçado durante anos os próprios juristas integrantes da comissão. Estamos abertos, por meio do site do senado (www.senado.gov.br), para receber sugestões e contribuições de toda a sociedade.
Publicado em http://www.advivo.com.br/node/756355