Por Sérgio Rodas
A prisão preventiva só pode ser decretada, segundo o artigo 312 do Código de Processo Penal, para garantir a ordem pública ou a econômica, por conveniência da instrução criminal, para assegurar a aplicação da lei penal, se houver descumprimento de medida cautelar ou dúvida sobre a identidade do acusado. Se nenhum desses requisitos estiver presente no caso, a detenção é ilegal e deve ser revogada. Portanto, não há como negociar o fim de uma prisão preventiva em um acordo de delação premiada, avaliam especialistas ouvidos pela ConJur.
De acordo com o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Geraldo Prado, sócio da Geraldo Prado Consultoria Jurídica, a prisão provisória é uma medida excepcional. Logo, se ela é desnecessária a ponto de poder ser negociada, também é juridicamente incabível. Dessa maneira, sua decretação viola o artigo 312 do CPP, aponta Prado.
Os procuradores da República Samantha Dobrowolski e Januário Paludo, integrantes da comissão permanente de assessoramento em Leniência e Colaboração Premiada do Ministério Público Federal, também afirmam que não é possível barganhar uma prisão preventiva em uma delação.
No entanto, os integrantes do MPF destacam que, celebrado um acordo de colaboração premiada, ou até mesmo um pré-acordo, em geral desaparecem os requisitos que motivaram a detenção preventiva. Isso porque o preso está disposto a cooperar com as investigações, o que garante a instrução criminal, a ordem pública e econômica (quanto à reparação de dano) e a aplicação da lei penal, além de afastar risco de fuga.
Criminalistas acusam a força-tarefa da “lava jato” de prender investigados preventivamente para forçá-los a firmar acordo de delação premiada. Porém, Samantha e Paludo ressaltam que os termos de colaboração celebrados com acusados detidos têm sido uma exceção na operação. Em julho de 2017, dos então 130 delatores do caso, 95 não tinham sido encarcerados, segundo levantamento do site G1.
Da mesma forma, o criminalista Rogério Fernando Taffarello, sócio da área de Direito Penal Empresarial do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados, entende que, embora não seja possível negociar uma prisão preventiva, a mudança de comportamento do acusado pode justificar que a detenção seja revogada ou substituída por uma medida cautelar alternativa.
Contudo, ele critica o abuso de prisões preventivas e cláusulas de termos de colaboração premiada que proíbem o investigado de contestar a detenção na Justiça.
“O que viola a lei e a ordem constitucional é o uso de subterfúgios argumentativos para subsidiar uma prisão preventiva que jamais deveria ter sido decretada, dizendo haver fundamentos suficientes para a prisão onde não há, e o uso da privação indevida da liberdade para constranger pessoas a colaborar com as investigações, violando-lhes a presunção de inocência e os direitos fundamentais à liberdade e à dignidade, entre outros. Também não se pode, juridicamente, impedir que o candidato a colaborador busque a sua liberdade por meio da impetração de remédios constitucionais como o Habeas Corpus, que visam a fazer cessar ilegalidades flagrantes – e não pode a polícia ou o MP exigir que os tribunais não apreciem eventuais situações de alegada ilegalidade flagrante em casos de prisão preventiva”, opina Taffarello.
Só para soltos
O Projeto de Lei 4.372/2016, do deputado Wadih Damous (PT-RJ), limita a celebração de acordo de delação premiada a investigados que estejam em liberdade.
O objetivo, conforme o parlamentar, é preservar o “caráter voluntário do instituto” e “evitar que a prisão cautelar seja utilizada como instrumento psicológico de pressão sobre o acusado ou indiciado o que fere a dignidade da pessoa humana, alicerce do Estado Democrático de Direito”.
Além disso, argumenta Damous, a alteração visa evitar que prisões preventivas sejam decretadas sem a presença dos requisitos do artigo 312 do CPP.